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Lembranças do Espelho e de Caraíva

Travessia de stand up paddle no rio de Caraíva

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Remando com o stand up no rio de Caraíva, no sul da Bahia

 

Esse foi o típico caso de “mesmo quando dá errado, dá certo”. Afinal, eu e um amigo tínhamos planejado remar de Trancoso à Caraíva, passando uma noite na Praia do Espelho. A primeira parte rolou sem problemas. Mas quando acordamos no dia seguinte, o vento tinha mudado e percebemos que não daria para finalizar a travessia. Confesso que fiquei bem frustrado. Se quiséssemos, poderíamos ter feito o trajeto todo no dia anterior. Remamos apenas três horas e percorremos mais de 2/3 do percurso total.

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Barquinhos que fazem as travessias até Caraíva

 

Enfim, não tinha jeito. O vento era forte demais e não conseguíamos sair do lugar. Pensamos num plano b: arrumaríamos uma maneira de chegar em Caraíva de carro para subir o rio de stand up. Como estávamos sem nossas bombas, fomos atrás de uma caminhonete que levasse as pranchas infladas. Demorou um pouco, mas foi aí que a sorte começou a virar a nosso favor.

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Remando no Rio Caraíva, num momento de céu nublado

 

O “motorista” que achamos era dono de uma das pousadas do Espelho, conhecido como Boinha. A família dele foi a primeira a habitar a região. Seu pai foi dono de toda aquela terra, da praia até além do condomínio Outeiro e do aeroporto. Enquanto o carro pulava na estrada de terra que leva a Caraíva, ele nos contou a história da região.

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A caminhonete do Boinha, que nos levou do Espelho à Caraíva

 

Na Praia do Espelho a família dele criava porcos. A cada temporada, tocavam os animais preguiçosos até Arraial d’Ajuda, numa caminhada de dias, pela areia. Com a venda dos porcos, compravam arroz, óleo, etc e voltavam para casa.

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O começo da remada no Rio Caraíva, com vento forte e contrário

 

O irmão de Boinha tinha tartarugas de estimação. Ele as pegava no mar e cuidava delas numa lagoa de água doce, que hoje está poluída. Elas eram o xodó do irmão e a alegria de qualquer visitante que por ventura aparecesse naquele fim de mundo. Mesmo assim, de tempos em tempos, separavam uma delas para comer.

O pai de Boinha estava sempre com uma espingarda debaixo do braço. Naquele tempo, havia muitas onças e era preciso se defender. As lembranças vinham a cada curva da estrada. Com pesar, ele nos contou que não há mais animais silvestres, nem floresta. Realmente, pela janela do carro, só víamos pasto e plantações de eucalipto.

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Bem acima, no Rio Caraíva

 

O silêncio caiu sobre o carro e lembrei das minhas próprias experiências na região. Em 1995, com 16 anos de idade, conheci Caraíva e passei uma noite na Praia do Espelho, que então era chamada de Curuípe. Havia apenas uma pousada lá. Bem rústica, sem energia elétrica. O lugar era uma paraíso deserto. Hoje ainda é muito bonito, mas a paisagem foi tomada por restaurantes, bares e pousadas. Todos com mesas e cadeiras cheias de gente.

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Remando de stand up em Caraíva

 

Já Caraíva não mudou tanto. A barra do rio foi tomada por barraquinhas, mas a praia continua como era em 1995. Andando pelas ruas de areia, reconheço os rostos que encontrava naquela época. Os melhores lugares para comer e beber ainda são os mesmos. No pôr-do-sol, pastel de arraia e cerveja no Boteco do Pará. No começo da noite, drinks e jogo de gamã0, na Pousada da Lagoa. E nas madrugadas, o inesquecível forró do Ouriço.

A energia elétrica chegou sem estragar o clima de Caraíva. Pelo contrário, trouxe conforto para os moradores, sem o incômodo da poluição e do barulho dos geradores de 1995. Os cabos de energias estão enterrados, então não tem postes nem iluminação pra fora das casas. Percorrer a vila numa noite de lua nova ainda dá aquela sensação de medo e mistério, de quem é engolido pela escuridão.

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O final da linha: prainha no Rio Caraíva onde fizemos meia volta

 

Os barqueiros que fazem a travessia da estrada até Caraíva continuam remando da mesma maneira. Ficam em pé na popa do barco com longos remos de madeira. Só os barcos que mudaram. Antes eram canoas tão estreitas, que muitos turistas se desequilibravam e caíam na água. Agora, vinte e um anos depois, lá estavam eu e meu amigo em nossas pranchas infláveis, também remando em pé. Lutamos contra tentação de ir direto pro Boteco do Pará e seguimos o plano inicial.

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O famoso Boteco do Pará, na vila de Caraíva

Com muita força de vontade, seguimos rio acima num trajeto de quase 14 km. Passamos pela prainha de onde já tinha saído uma vez de stand up e continuamos explorando dois afluentes do rio principal. Vimos pica-paus, peixes e caranguejos até chegarmos numa outra prainha. Paramos pra hidratar e voltamos rapidinho, direto pro Boteco do Pará, bem a tempo de assistir o pôr-do-sol.

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Mapa da travessia de stand up no rio de Caraíva

 

Distância = 13,5 km
Duração = 3 horas e 20 minutos
Vento = forte, contra na ida e a favor na volta
Correnteza = média, contra na ida e a favor na volta
Valores = pousada Recanto do Espelho, R$ 300 / carro para Caraíva, R$ 250
Cidade = Porto Seguro/BA – Caraíva e Curuípe
Texto: Daniel Pluk
Fotos: Daniel Pluk e Deco Adjiman

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