Um dos Lugares Mais Incríveis que Já Conheci
Cheguei na Ilha da Selinha pelo lado errado. A aproximação pelo Oeste, apesar de mais protegida das ondas, é totalmente inviável. As pedras – que no Google Maps pareciam pequenas – eram, na verdade, imensos blocos instransponíveis até para os melhores escaladores. Imagine então tentar subi-las com uma prancha de Stand Up de baixo do braço.
Dei a volta por fora, pela face sul. No chacoalhar das ondas, observei um grande platô, alto na ilha, mas bem plano. Lá havia uma pedra redonda – redonda como uma bola e de uns quatro metros de diâmetro. Estranho! Como ela foi parar ali?, fiquei pensando. Essa foi a primeira indicação de que a Ilha da Selinha não era um lugar qualquer.
Entrada da Ilha da Selinha
Continuei até a face leste onde, finalmente, vi a única entrada da ilha. É um corredor de rocha, alto e estreito. De longe, constatei que conseguiria passar com a prancha flutuando na água até a praia, mas precisaria de muita atenção para não bater as laterais nos paredões de pedra. A distância entre eles era poucos centímetros mais larga que minha prancha.
Cheguei mais perto e percebi mais duas dificuldades. Primeiro: o fundo tinha pedras de alturas distintas, sendo que algumas chegavam até a superfície da água. Ou seja, além de tentar evitar que a prancha batesse suas laterais, teria que desviar também das pedras de baixo. E, segundo: as ondas vinham bem na direção que eu estava, entravam com tudo pelo corredor e voltavam também fortes no backwash. Teria que controlar a prancha para não bater, nem me derrubar, mesmo com as ondas me jogando para frente e para trás.
Chegando com Dificuldades
Remar em pé seria perigoso. Se a quilha batesse numa pedra que não estava à vista, eu seria ejetado do SUP e poderia bater a cabeça nas pedras, tanto dos lados, quanto em baixo. Então resolvi remar ajoelhado. Mas a verdade é que praticamente não precisei remar. Deixei as ondas me levarem e usei o remo como leme, como se faz na canoa polinésia.
A primeira onda me levou um tanto para a frente. A segunda foi mais forte e tive dificuldade de controlar a direção da prancha. Mesmo assim desviei de algumas pedras no fundo. Quando a onda bateu na areia e voltou, voltou com tudo e acabei batendo a quilha. Nada grave, mas precisaria inspecionar quando chegasse à praia.
Percebi que as ondas nem estavam tão fortes lá fora – tinha escolhido esse dia para remar justamente porque o mar estava pequeno e imaginava os perigos que poderia encontrar – mas o formato da ilha funcionava como um funil. As ondas eram apertadas dentro do corredor de pedra. Espremidas, elas ficavam mais fortes e rápidas.
A partir desse ponto, achei melhor entrar no mar e conduzir a prancha com as mãos. A água batia nos meus ombros, apesar de estar perto da praia. É que ela é de tombo e fundo ganha profundidade muito rápido. A cada onda, segurava o SUP com força pare ele não bater. Avançava no intervalo entre elas. Raspei meu corpo nas pedras do fundo, mas elas eram lisas, sem cracas nem ouriços. Ainda bem!
Dentro da Ilha Rachada
Cheguei na praia ofegante, mas feliz. Que entrada complicada! Realmente essa ilha não é para qualquer um. Foi como se eu precisasse passar por um ritual para ter acesso ela. Só quem vence o desfio pode desfrutar esse lugar tão especial.
E, realmente, depois que trouxe a prancha mais pra cima e constatei que a quilha estava em ordem, olhei ao redor e fiquei impressionado. Em geral, sou comedido com os adjetivos, mas a palavra que me veio logo à cabeça foi “mágica”. Essa ilha é mesmo mágica!, pensei.
O corredor de pedra é muito mais alto do que parecia nas fotos que vi antes de ir e do que nas fotos que fiz em seguida. Pensei em chegar na pedra redonda, que tinha avistado do mar, mas percebi que nunca conseguiria. O tamanho e a altura das rochas também interferiam na propagação do som. Como numa caverna, alguns ruídos eram abafados, enquanto outros pareciam amplificados. Pássaros cantando no alto da árvore mais alta, pareciam assoviar dentro do meu ouvido.
Fiquei um tempo contemplando a grandiosidade daquilo e me lembrei das catedrais góticas. A verticalidade exagerada da arquitetura fazia os fiéis se sentirem pequenos, partes minúsculas de algo muito maior. E era exatamente assim que me sentia naquele momento. Ali, a natureza parecia tão perfeita e eterna que eu era apenas um sopro, em comparação.
Não me considero uma pessoa mística ou espiritualizada, mas esse lugar me deixou assim.
Saindo da Ilha da Selinha
Enfim, as horas foram passando e eu não conseguia ir embora. Acompanhei a progressão do sol até a luz entrar pela fenda da ilha. Que espetáculo! A areia da praia agora estava iluminada e o cenário ficou ainda mais bonito. Como pode?
Tive que me forçar a sair da Ilha da Selinha, como quem sai de um transe. Sacudi a cabeça e disse em voz alta: chega, tenho que ir. Peguei a prancha, levei para a água e não olhei para trás. A ilha era como os olhos da Medusa. Se eu olhasse, seria capturado mais uma vez por seu feitiço e ali ficaria petrificado para sempre.
A saída foi tensa, do mesmo jeito da chegada, mas já sabia o que ia enfrentar, então não tive surpresas. Logo que passei o corredor de pedra, subi na prancha e voltei a remar em pé. Senti como o som e as cores eram diferentes do lado de fora da ilha.
Voltei até a Praia da Almada, onde tinha deixado o carro. Entrei no mar, tomei uma ducha de água doce. Voltei pela linda estradinha que liga a Almada à BR-101. Enquanto contemplava a vista para a Praia do Estaleiro, pensava na sorte que tenho de poder conhecer lugares como esse. Na Ilha da Selinha o tempo parou. O cenário deve ser o mesmo a milhares de anos e, espero, continuará assim por outros milhares. Você que leu até aqui, se ficou com vontade de conhecer, vá, mas cuide com carinho desse lugar, que ele merece.
DADOS DA TRAVESSIA DE SUP EM UBATUBA
Distância = 7,5 km
Tempo = 1 hora e 20 minutos
*esse é apenas o tempo de remada
Cidade = Ubatuba, SP
ALUGUEL DE PRANCHA DE STAND UP NA PRAIA DA ALMADA
Há quiosques de aluguel de prancha de SUP na praia, aos finais de semana e durante a semana na alta temporada
COMO CHEGAR NA PRAIA DA ALMADA
Na BR-101, entre Ubatuba e Paraty, entrar na estradinha (asfaltada) no KM 13. A estradinha de aproximadamente 4 km termina na Praia da Almada. Ali você é recebido por moradores locais que indicam os estacionamentos para deixar o carro (R$ 30).
COMO CHEGAR NA ILHA DA SELINHA
Remando de SUP, a partir da Praia da Almada. ATENÇÃO: a entrada é bem complicada e só indico para remadores experientes.
Texto e fotos: Daniel Aratangy
Que legal, ja remei bastante nesta região, mas só fui ate a ilha dos porcos, quem sabe irei até a selinha. Muito top
Lugar maravilhoso.