Travessia de SUP de Parati-Mirim ao Condomínio Laranjeiras. Primeiro dia: remada até a praia Martim de Sá.
Há anos que sou obcecado pela Ponta da Joatinga. Ficava namorando o mapa na parede de casa, pensando nos melhores trajetos de stand up, onde parar pra comer e dormir, em quantos dias fazer, etc. Tinha gravado na memória cada praia, ilha e reentrância da costa. Foi a travessia que mais planejei. Mas cometi um erro básico que transformou o passeio numa epopeia.
Marquei a data com a maior antecedência. Tinha combinado com meu irmão, Rodrigo, que eu iria pelo mar e ele pelas trilhas íngremes da região. Demoramos quase três meses para achar um espaço na agenda dos dois. E, quando já estava perto da viagem, a previsão indicava vento muito forte e contrário. Estupidamente, resolvi ignorar essa informação. Não queria ter que adiar os planos outra vez. Por isso, tive que enfrentar as condições mais difíceis que já passei. Em alguns momentos, era tanto vento e tanta onda que a prancha capotava mesmo comigo sentado. Uma loucura!
Dormimos em Parati-Mirim e combinamos de nos encontrar novamente em Martim de Sá para jantar e dormir. Saí pela praia e logo percebi que o vento estava forte demais para o horário. Quando atravessei o Saco do Mamanguá só remei do lado direito e mesmo assim meu trajeto foi um “U”. Segui bem pertinho da costa pra minimizar o esforço. O vento tava fora do comum e completamente contra.
Assim que passei a ponta que faz limite com a Enseada do Pouso da Cajaíba, fui pego pelas ondas. Elas eram tão grandes que pareciam montanhas. Vinham quebrando mesmo em alto mar, por causa do vento. E a direção era predominantemente contra, só que bem irregular. A sensação era de estar dentro de uma máquina de lavar.
Me desequilibrei muitas vezes. Numa delas, meu remo bateu na GoPro, quebrou o suporte e ela afundou instantaneamente no mar. Sentei na prancha desolado. Descansei um pouco e logo voltei a remar. Parte remando em pé e outra parte sentado, consegui chegar até a Praia do Pouso da Cajaíba. Pensei que, se continuasse assim, não daria para terminar o trajeto.
De qualquer forma, parei no único restaurante aberto e pedi um PF. Descansei na rede e saí para tirar umas fotos. O Pouso da Cajaíba é bem abrigado e me deu a falsa sensação de que o vento tinha diminuído. Resolvi continuar. Qualquer coisa era só dar meia volta e dormir por ali mesmo, pensei.
Logo que subi na prancha vi que o vento não tinha diminuído tanto assim, mas dava pra prosseguir. O problema foi quando deixei a enseada pra trás e segui pela Ponta da Joatinga. O vento tava muito forte. Se fosse só isso até que não seria tão grave, mas de novo as ondas eram violentas. Vinham de todos os lados e quebravam sem aviso. Era simplesmente impossível remar em pé. Fiz o trajeto ajoelhado e, quando as pernas cansavam, remava um pouco sentado. Não podia parar de fazer força porque, a cada segundo parado, o vento me levava muitos metros para trás.
Um pouco mais adiante achei uma pequena enseada, o Saco das Sardinhas. Os moradores da encosta tinham um barco de madeira atracado ali e percebi que era minha única chance de descansar. Amarrei a prancha e deitei na embarcação. Das pedras, veio um grito. Levantei e vi o pescador Danilo, me chamando. Pulei na água e nadei até lá. Ele falava praticamente um dialeto, bem difícil de entender. Afinal é um caiçara que vive isolado num lugar onde nunca passam turistas. Mas consegui decifrar que perguntava de onde vinha e para onde ia. Contei meus planos e Danilo disse que era loucura. O mar estava mexido demais, seria perigoso. Falou ainda que eu poderia dormir na sua casa e continuar a travessia no dia seguinte. Agradeci, mas disse que preferia tentar. Ele insistiu que eu tomasse um café, pelo menos. Fiquei com receio da noite cair e não chegar a tempo, mas ele era muito gente boa. Na próxima, falei.
Continuei cada vez mais devagar. Minhas forças se esvaindo ainda mais rapidamente. Minhas mãos estavam cheias de bolhas e os joelhos em carne-viva. Foi então que lembrei do mapa. Uma das reentrâncias que tinha decorado, era um grande estreitamento de terra antes da Ponta da Joatinga, que ficava com uns 50 metros de largura. Pensei que, se chegasse até lá, talvez conseguisse atravessar andando com a prancha na mão. Essa ideia tomou conta de mim e me agarrei a ela. Era minha última esperança. Só que, até onde eu podia enxergar, a costa era muito alta, íngreme e com mata fechada.
Três horas e meia depois de ter saído do Pouso da Cajaíba (tendo percorrido uma distância que normalmente faria em 45 minutos) cheguei naquele istmo que tinha visto no mapa da parede de casa. Fui tomado por uma sensação de euforia, quando percebi que daria para atravessar a pé. Pela primeira vez tive certeza que chegaria à Martim de Sá. O morro media a altura de uns dois coqueiros, tinha uma trilha que passava para o outro lado e ainda uma estrutura de madeira para ajudar pequenos barcos a subirem as pedras. Foi como ganhar na loteria.
Depois de tudo que tinha passado, me senti como um conquistador. O primeiro homem a pisar na Lua. Cada pessoa tem sua história e, para mim, esse foi mesmo um feito enorme. Sei que faltaram alguns metros para dar a volta completa, pelo mar. E um dia ainda vou fazer esse pedacinho. Mas, definitivamente aquele não era o dia para isso. A Ponta da Joatinga é o terror dos navegantes e eu a peguei em sua fúria máxima, usando todo repertório que tinha para me expulsar dali. Quando o mar tem vontades, é melhor obedecer.
Subi e desci aquele morro com a prancha e as mochilas. Do lado de lá o mar estava bem mais calmo e o vento a favor. Até a Praia da Sumaca praticamente não precisei remar. Quando cheguei perto da faixa de areia vi que as ondas estavam quebrando fortes demais e decidi não desembarcar. Continuei pela costa, ansioso para terminar logo a travessia. Esse pedaço também foi difícil porque as ondas estava grandes e vinham de todas as direções. Mais uma vez tive que remar ajoelhado.
Passei por dois cardumes de arraias. Eram grupos de oito a doze que boiavam como se tivessem tomando sol. Foi muito bacana de ver. Mas o que me deixou realmente feliz foi avistar a entrada de Martim de Sá. Isso deu ânimo novo e consegui dar uma acelerada final.
Quando cheguei na areia, fui recepcionado pelo Seu Manuel, patriarca da família que habita aquela praia há gerações. Contei resumidamente minha saga. Ele confirmou que aquele era um dia atípico e me disse que o pedaço que atravessei a pé é conhecido pelos locais como “cela”, justamente por ser um pedaço mais estreito e baixo, como a cela de um cavalo.
Eram cinco da tarde e meu irmão ainda não tinha chegado. Resolvi esperá-lo para comer, mas o tempo foi passando e nada dele aparecer. Às oito e meia da noite já estava morto de fome e pedi para a Teresa, filha do Seu Manuel, preparar um jantar só para mim. Comi enquanto eles falavam dos perigos das trilhas da região. Cobras, aranhas e precipícios. Fui ficando preocupado, porém não havia o que fazer. Ali não tem internet, sinal de celular, energia elétrica e nem mesmo televisão. Dei mais um tempo na praia, deitado na areia, observando as estrelas. Vi um satélite. Respirei fundo e fui deitar no quartinho que Seu Manual tinha me arrumado. Dormi sem saber o que tinha acontecido com meu irmão. Mas essa história fica para o próximo post. Boa noite!
DADOS DA TRAVESSIA DE SUP
Distância = 29 km
Duração = 8 horas e 30 minutos de remada
Vento e Ondas =
Da saída até a entrada da Enseada do Pouso da Cajaíba – vento forte contra e ondas fracas laterais
Da entrada da Enseada até a praia do Pouso – vento muito forte lateral e ondas gigantescas vindo de várias direções
Da Praia do Pouso até a Ponta da Joatinga – vento insano contra e ondas gigantes contra
Da Ponta da Joatinga até a praia Martim de Sá – vento forte lateral e ondas grandes laterais
Cidade = Paraty – RJ
COMO CHEGAR EM MARTIM DE SÁ
REMANDO: Saí de Parati-Mirim, mas é mais perto de Laranjeiras mesmo.
DE BARCO: Saindo de laranjeiras, precisa combinar antes com os barqueiros da Praia do Sono. Ou saindo de Trindade.
Telefone do barqueiro Fábio, da Praia do Sono 24-99959-7841
OUTRAS TRAVESSIAS NA REGIÃO
Ponta Negra – Antigos – Sono – Laranjeiras
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Texto e fotos: Daniel Aratangy
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