Travessia de SUP de Parati-Mirim ao Condomínio Laranjeiras. Segundo dia: remada da praia Martim de Sá até Laranjeiras. Veja a primeira parte aqui.
Depois de fazer a travessia mais difícil da minha vida, dormi como uma pedra por dez horas. Acordei com o despertador e fui logo perguntar se alguém tinha visto meu irmão. Na noite anterior, fui para a cama sem saber o que aconteceu com ele nas trilhas que ligam as praias da região. A gente tinha combinado de encontrar lá, mas ele não apareceu. O celular não pegava e não havia como me comunicar com o mundo exterior.
Eram sete horas da manhã e ele ainda não tinha chegado. Resolvi dar uma volta na praia, tirar umas fotos, pensar no que fazer. O sol tava saindo de trás do morro, dissolvendo a neblina que cobria o mar e a areia. Fui até uma das pontas da praia e, quando voltei, meu irmão apareceu entre as árvores, são e salvo.
Assim como eu sofri pra chegar lá, ele também subestimou o tamanho do desafio que tinha se metido. Subiu e desceu tantas montanhas que no Pouso da Cajaíba já estava completamente sem forças. Além disso, a noite se aproximava. Não era uma boa ideia fazer a trilha no escuro, daquele jeito. Resolveu então dormir ali mesmo e acordou bem cedo no dia seguinte para chegar em Martim de Sá antes que eu tivesse partido. Ele contou tudo aqui.
Tomamos café da manhã acompanhados pela família do Seu Manuel. Todos ficaram bem aliviados com o desfecho e aproveitaram o momento de confraternização para nos contar as histórias da praia. Os primeiros moradores foram os índios Tupinambás. Com a chegada dos portugueses, a praia foi transformada numa fazenda que usava trabalho escravo. Depois da lei áurea, a fazenda faliu e os trabalhadores negros e índios resolveram ficar por ali mesmo. Seu Manuel é descendente direto dessa turma.
Como a região fica muito afastada de qualquer estrada, chegar lá é uma tarefa bem complicada. São muitas horas de barco, com vento e mar sempre mexido. Ou longas caminhadas em mata densa, num terreno íngreme que desanima até os mais aventureiros. Assim, Martim de Sá ficou isolada e Seu Manuel viveu como os índios quinhentos anos atrás. Só na década de 1990 que começaram a aparecer turistas, mas mesmo assim, “vinham pra nunca mais voltar e só reclamavam dos borrachudos e tudo mais”. Nos anos 2000 teve um boom de pessoas que valorizavam esse isolamento e a maneira de viver de Seu Manuel. Foi então que ele montou o camping que funciona até hoje, com regras rígidas de comportamento e visitas de gente do mundo inteiro. Nos despedimos de todos e seguimos nossos caminhos. Meu irmão pelas trilhas, eu pelo mar. Combinamos de almoçar da praia da Ponta Negra.
Na saída peguei um pouco de mar agitado, mas logo as condições melhoraram e fui sempre com vento e ondas a favor. Parei pra comer mexerica numa ilha perto da costa. Por horas fiquei sem cruzar nenhuma pessoa, nem barco e ou alguma construção. Um pouco mais à frente avistei a famosa Cachoeira do Saco Bravo. São três quedas d’água, com um poção a menos de 5 metros do mar. Coisa linda demais que só tinha visto em fotos da Internet.
O plano inicial era encontrar meu irmão ali e tentar subir as pedras até a cachoeira. Ele levou na mochila uma cadeira de escalada e uma corda para me içar do mar. Mas depois do sufoco do dia anterior, tínhamos resolvido pular essa parte e ir direto para a Ponta Negra. De qualquer forma, percebi que não teria dado certo. As ondas estavam grandes. Eu não consegui nem mesmo me aproximar da costa. Imagina só ter que achar um lugar para amarrar a prancha e ainda subir tudo sem ser esmagado nas pedras. Impossível!
Um grupo de três pessoas estava lá. Fiz fotos deles e eles fizeram de mim. As minhas ficaram tremidas por causa do balanço das ondas e mal dá para enxergá-los. As fotos deles não vi, mas adoraria saber quem são para poder tê-las.
Dali em diante aproveitei as ondas a favor e cheguei rapidinho na Ponta Negra. Meu irmão chegou em seguida. Apesar da praia também só ser acessível por mar ou trilha, perto de Martim de Sá, ela parece um grande centro urbano. Tinha uns três restaurantes abertos (todos vazios, é verdade), mas havia um movimento constante de barcos. Alguns pescando, outros trazendo os moradores que tinham ido fazer compras na “cidade”.
Depois do almoço contei minha saga do dia anterior para o dono do restaurante. Ele comentou ter lido num dos livros do Amyr Klink que, mesmo depois de atravessar o Atlântico, de rodar pela Antártida, de fazer todas as aventuras que fez, a travessia da Ponta da Juatinga ainda era a mais difícil da vida dele. Não sei se é verdade, mas é bem possível mesmo. E seria uma honra saber que fiz a travessia que até o Amyr Klink sofreu para completar.
Dali segui para a Praia do Sono, passando direto pelas praias de Antigos e Antiguinhos, que eu já tinha ido outra vez. Entrei rapidamente no rio e continuei até meu ponto final, o condomínio Laranjeiras. Teve um estresse com os seguranças, como sempre, mas consegui pegar o ônibus e voltar para Parati-Mirim, onde encontrei o carro e meu irmão.
DADOS DA TRAVESSIA DE SUP
Distância = 25 km
Duração = 6 horas
Condições do mar = Começou com vento fraco a favor e ondas grandes laterais, depois ficou com vento médio a favor e ondas grandes a favor e, por último, vento fraco a favor e ondas fracas a favor.
Cidade = Paraty – RJ
COMO CHEGAR EM MARTIM DE SÁ
REMANDO: Saí de Parati-Mirim, mas é mais perto de Laranjeiras mesmo.
DE BARCO: Saindo de laranjeiras, precisa combinar antes com os barqueiros da Praia do Sono. Ou saindo de Trindade.
Telefone do barqueiro Fábio, da Praia do Sono 24-99959-7841
OUTRAS TRAVESSIAS NA REGIÃO
Ponta Negra – Antigos – Sono – Laranjeiras
VEJA O MESMO PERCURSO POR TRILHA
Texto e fotos: Daniel Aratangy