Quase todas as praias de Itacaré em uma manhã de remada
Passei uma semana fotografando Itacaré para a Azul Linhas Aéreas e mais um dia por minha conta. Dessa vez não levei minha prancha, mas não deixei de remar. Até a inflável dá um certo trabalho de carregar pra lá e pra cá. Então, antes da viagem, busquei e achei um camarada que aluga boas pranchas de Stand Up Paddle. Acompanhei a previsão do vento e tracei uma rota descendo com ele a favor, do norte para o sul. Saindo do centro de Itacaré, daria para remar tranquilamente até a última praia do município, a Praia do Itacarézinho.
Para mim parecia tudo muito simples e tranquilo, mas, quando mandei um WhatsApp pro Tiago (dono da Soul SUP), ele não botou muita fé nesse passeio. Primeiro fez muitas perguntas. Quis saber se eu conhecia Itacaré, se já tinha remado em mar aberto, qual era minha experiência. Depois tentou botar medo em mim. O mar lá é muito perigoso. Correntes fortíssimas, ondas enormes. Só faltou falar de monstros marinhos ainda desconhecidos, rs.
Falei para Tiago não se preocupar. Estou acostumado com mar mexido e condições adversas de todos os tipos. Ele acabou cedendo e disse que me emprestaria a prancha de SUP. De qualquer modo, enquanto estive trabalhando em Itacaré, passei TODOS os dias na barraca dele, na Praia das Conchas, pra trocar uma ideia e confirmar bem confirmado nosso acordo. Ele confessou que estava mesmo preocupado, que nunca tinha alugado uma prancha assim pelo dia inteiro, pro cara sumir de vista. Disse também que, em todos esses anos lá, não soube de ninguém que já tenha feito essa travessia. Parecia uma loucura. E louco que é, se empolgou com a ideia e resolveu me acompanhar nessa aventura.
Começando a Remada
Às seis horas da manhã do dia marcado lá estava ele. Tinha separado uma prancha Riviera com 26” de largura para mim e uma 24” para ele. Eram dois foguetes! Pranchas extremamente rápidas, porém, muito instáveis, ainda mais para mim que costumo remar numa 28” (veja o post que escrevi sobre as diferenças nas pranchas em geral). A saída da Praia das Conchas até que foi tranquila, mas foi só passar o Farol Quadrado, onde começava o mar aberto, que logo levei minha primeira queda. As ondulações vinham fortes. Tiago disse que aquele dia o mar tinha crescido, as praias estariam com ondas grandes. No trajeto todo tive que me concentrar, priorizando o equilíbrio em detrimento da velocidade.
Projeto Social de SUP
Como eu tava focado em não cair, acabei falando pouco e Tiago aproveitou pra contar a história dele, da Soul SUP e do projeto social que desenvolve. Ele não é da cidade, mas chegou em Itacaré há muitos anos. Ficou apaixonado pelas ondas e a vibe do lugar e resolveu morar ali. Passava os dias trabalhando e surfando nas horas vagas, até que um conhecido lhe mostrou uma prancha de SUP. Quando ele subiu e deu as primeiras remadas, percebeu que era isso que queria para a vida. E era bom nisso! Começou a participar de competições, ganhando várias. Logo montou a SOUL SUP. Alugava pranchas e dava aulas. Nos horários com menos turistas, treinava a criançada local, sem custos. Queria dar uma opção de lazer para elas, como alternativa ao mundo do crime. O projeto foi um sucesso total. Da escolinha dele saíram alguns campeões do Brasil. E sempre que dá, ele ajuda com transporte, estadia e alimentação, nas viagens das competições. Também contribui com alguma necessidade específica das famílias mais carentes, como a compra de um colchão, por exemplo.
Era tanta história interessante que nem vi o tempo correr. Passamos pelas chamadas “praias urbanas”, que são as mais próximas da cidade de Itacaré. São praias pequenas, cercadas de pedras e coqueiros, onde ficam a maioria dos turistas e muitos surfistas. Mesmo assim, são bem preservadas. Não chegam a ficar lotadas, como as praias urbanas de grandes cidades como Salvador e Rio de Janeiro e têm um astral delicioso, com gente do mundo todo.
Prainha
Nossa primeira parada foi na Prainha, que só é acessada por trilha ou pelo mar. As ondas realmente estavam grandes e logo vi que teria dificuldade para desembarcar na praia (quem acompanha esse site sabe que o surfe não é meu forte). Tentei avançar no intervalo entre uma onda e outra, mas, quando tava quase chegando, acabei sendo pego por uma e levei um belo caldo. Esqueci dos óculos escuros que estava usando, não segurei e perdi. Tudo bem, só fico triste pela poluição que gerei. A praia estava completamente deserta. Ainda era cedo, o sol estava baixo, a areia molhada parecia um espelho. Em volta era tudo coqueiro e Mata Atlântica. Enquanto Tiago pegava onda, subi o drone e fiz imagens aéreas.
Para voltar ao mar fiz uma leitura melhor das séries de ondas e consegui passar a rebentação sem grandes emoções. Continuamos rumo ao sul, passando por praias lindas de todos os tamanhos. Minha prancha, além de estreita, tinha o fundo em “V” que a deixava ainda mais arisca. Remei bem devagar e mais distante da costa, pra evitar o sacolejo das ondas que batiam nas pedras e voltavam.
Praia da Engenhoca
Paramos ainda outra vez, na Praia da Engenhoca. Tinha um pequeno grupo de surfistas reunido no mar, esperando pelas ondas perfeitas. Tiago ficou emocionado em chegar lá de SUP. Sentiu um estranhamento bom por ver o pico tão familiar de outra perspectiva. Paramos pra descansar na areia. Os poucos quiosques da praia estavam abrindo e sentamos em uma das mesas. O garçom que nos atendeu era praticamente uma criança e veio logo dar um abraço em Tiago. Ele é um dos alunos do projeto social da Soul SUP. Contou tudo que eu já tinha ouvido na remada até ali e acrescentou que Tiago era seu ídolo, que ele o incentivava a treinar e estudar e que ajudava a família dele nos momentos de aperto.
Na última perna da remada passamos pela Praia do Havaízinho. Consideramos descer ali também, mas acabamos desistindo. Quando estávamos indo embora, uma onda mágica apareceu. Ela era maior que todas as outras e tinha o formato perfeito. Tiago não hesitou, remou até ela e ficou em pé dentro do tubo. Saiu com um sorriso de orelha a orelha, sem acreditar na sorte de ter aquela onda só pra ele.
Praia do Itacarézinho
Terminamos na Praia do Itacarézinho por volta do meio dia. Ainda deu tempo de entrar no mar antes da chegada do nosso resgate, uma caminhonete que nos levou de volta à Praia das Conchas. Almoçamos num quilo ali perto. E foi só ali que me dei conta de uma coisa fantástica. Pela primeira vez na vida, não tinha visto um lixo sequer em todo o caminho, tanto no mar, quanto nas praias. Isso era inédito. Mas espero que se repita muitas e muitas vezes daqui pra frente!
DADOS DA TRAVESSIA DE SUP EM ITACARÉ
Distância = 14,5 km
Tempo = 2 horas e 40 minutos
*esse é apenas o tempo de remada, sem incluir as paradas no caminho
Cidade = Itacaré, Bahia
ALUGUEL DE PRANCHA DE STAND UP EM ITACARÉ
O melhor lugar para alugar pranchas de Stand Up Paddle é na SOUL SUP
O link acima é do Instagram deles. Se alguém quiser o WhatsApp, é só pedir aqui nos comentários que eu passo.
COMO CHEGAR EM ITACARÉ
O aeroporto mais próximo é o de Ilhéus que fica a 71 km de distância. Ali você pode alugar um carro ou arranjar um transfer com agências de turismo locais. A viagem leva aproximadamente uma hora.
Texto e fotos: Daniel Aratangy